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Opinião: O Benfica já vive Vietname 2.0

  • Foto do escritor: David Marcos
    David Marcos
  • 9 de fev. de 2022
  • 8 min de leitura

Nota prévia: o termo "Vietname" aplica-se à história do Sport Lisboa e Benfica dos anos de 1994 a 2004, célebres pela grave crise desportiva, política e financeira que o clube atravessou.

Foto: Benfica

Com o arranque positivo da temporada 21/22, em que o Benfica chegou a liderar de forma isolada a Liga Portuguesa e a forma como passou aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões, onde ficou à frente do Barcelona no seu grupo, tendo vencido os catalães (na segunda jornada), por expressivos 3-0, a confirmação de Rui Costa como novo líder pelas urnas, a nuvem negra, que estava carregada em cima do Benfica, parecia começar a dissipar-se. Nada disso, os sintomas de crise mantiveram-se. O futebol entrou numa espiral negativa que culminou na perda da liderança do Campeonato e distanciamento dos rivais, a eliminação humilhante na Taça de Portugal para o FC Porto, e a demissão polémica de Jorge Jesus que reacendeu a discussão sobre o estado do balneário dos encarnados. A direção, eleita em Outubro passado, começa a ser fortemente contestada, num clube onde os sócios estão cada vez mais em posições extremadas, em troca de acusações e atribuição de culpas sobre o estado do Benfica.


Completo desnorte desportivo

Este é na minha opinião o problema mais gritante no atual momento do Benfica, mais grave, o problema não é de agora, mas hoje parece mais grave do que era antes. Se achou confuso, passo a explicar. Não se percebe muito bem, desde 2017 e ainda com Vieira na sua máxima pujança enquanto líder do Benfica, que estratégia tem o Benfica para o futebol. Tudo isto começa com o ataque desastroso ao Pentacampeonato, algo que seria histórico no clube, já que a direção, simplesmente, investiu praticamente 0 no plantel, não colmatando saídas importantes como de Éderson, Nelson Semedo e Lindelof.


Desde esse momento tem se estado num estado aparente à deriva. Não se percebe bem se o Benfica vai atacar o mercado interno, se vai trazer jogadores de fora ou se aposta de forma mais efetiva nos seus jovens. Até 2017 a estratégia era clara. Aos ativos importantes do plantel, o Benfica juntava jogadores da sua formação, que com tempo e ideias claras de jogo se desenvolviam e eram vendidos em bons negócios. Renato Sanches, Nélson Semedo, Éderson e João Félix foram os exemplos mais claros dessa estratégia. Apesar de render financeiramente e desportivamente, havia aqueles que achavam que o Benfica se tinha tornado demasiado numa montra e que o sucesso financeiro estava a ser colocado à frente do sucesso desportivo, já que época, após época, jovens influentes e com identificação ao clube eram vendidos.


A escolha dos treinadores, até então, estava de acordo com essa estratégia. Em 2015 veio Rui Vitória, que nunca teve as condições de Jorge Jesus, e lá conseguiu trabalhar com os ovos que tinha. Depois, já com a estratégia meio dúbia, aparece Lage e tenta resgatar a aposta na formação e em contratações estratégicas. Pelo que a imprensa aponta essa foi a morte do treinador campeão em 18/19. Certos sectores do balneário sentiram-se ameaçados e "fizeram a cama" a Bruno Lage, que nem chegou a terminar a temporada seguinte, onde o Benfica, depois de perder para o FC Porto na jornada 20, só viria a vencer 6 dos 18 jogos para o final da temporada.


É então que se fecha definitivamente a porta para a formação do Benfica e instala-se, mais ainda, a confusão na estratégia para o futebol encarnado com a chegada de Jorge Jesus. Não há ninguém que lidere o futebol, que tenha visão estratégica, para além dos olhos e opiniões de Luís Filipe Vieira, Domingos Soares Oliveira (responsável pela SAD), e Jorge Jesus. O Benfica faz um investimento brutal, especialmente devido à pressão que Vieira estava a sofrer para ser reeleito, mas nada mudou. O Benfica tinha plantel, mas continuou a não ter equipa. Jorge Jesus nunca conseguiu usar os ativos que tinha, alguns deles de muita qualidade como Everton, Pedrinho e Waldschmidt (estes últimos já nem estão no Benfica).


Não se percebe como é que um clube como o Benfica pode apresentar plantéis, atrás de plantéis, com tantas carências e desequilíbrio. Na esquerda continua a não haver alternativas para Grimaldo. Há direita o Benfica tem 4 jogadores que podem que se apresentam naquela posição, mas nenhum consegue segurar o lugar, porque na verdade não têm qualidade para tal, com todo o respeito. Weigl, que também não tem alternativa caso lhe aconteça alguma coisa, continua a ser um oásis naquele meio campo, que já teve todas e mais algumas versões, e nem com a chegada de João Mário aquilo assentou. Extremos para atacar, mexer com o jogo, driblar, atazanar a cabeça ao adversário, talvez só Rafa, e nem todas as noites, apesar de haver Gil Dias, Éverton, Radonic e Diogo Gonçalves.


Há um problema de balneário, mas não fica por aí.

É a história recorrente dos clubes de futebol. Quando vários treinadores passam por um clube e este teima em não ter sucesso desportivo, é porque há um problema de balneário. O Benfica não foge à regra e isto já se tornou um dado adquirido pelos sócios e adeptos e também por quem está de fora.


Desde 2019 já passaram 4 treinadores pela equipa principal do Benfica, algo completamente anormal na história do clube encarnado. Rui Vitória saiu pela porta pequena em Janeiro de 2019, com uma primeira parte de temporada tremido e ideias pouco claras em campo, depois de ter conquistado dois campeonatos, uma taça de Portugal e duas supertaças pelo Benfica. Até aí tudo apontava para um esgotamento de ideias do treinador, que tinha à sua disposição a melhor estrutura do futebol português que, apesar das mexidas no plantel, lhe davam garantias de estabilidade e de sucesso.


O fantasma do tóxico balneário do Benfica vai nascer pouco depois, mesmo depois do Benfica ter sido campeão nacional. Bruno Lage chegou, viu e venceu, quando substitui Rui Vitória, e o Benfica praticava o futebol seguro, atrativo e com boas ideias. Depois do título de 18/19 e a Supertaça de 2019, que venceu de forma expressiva contra o Sporting, tudo parecia estar a correr bem até à jornada 20. Aí o Benfica perde para o FC Porto, quando podia ter matado o campeonato, já que ficavam com 10 pontos de avanço, e relança a luta pelo título. A partir daí o Benfica deixou, simplesmente, de jogar. De forma inexplicável o futebol atrativo e ofensivo, a intensidade que a equipa colocava nos jogos, tudo desapareceu. Quando o Benfica regressa à competição, devido à paragem pelo Covid, já estava afastado do líder Porto, mas já podia ter sido primeiro antes da paragem, e logo a seguir ao regresso podia ter tomado de assalto a liderança, mas colecionava tropeços, atrás de tropeços. Os problemas continuar, e começou a ficar claro que havia desgaste do balneário para com Bruno Lage. A situação tornou-se insustentável e Lage teve de sair. Ficou Nelson Veríssimo, mas a situação não melhor muito, pode dizer-se que estabilizou. Na verdade, o Benfica venceu apenas 6 jogos dos últimos 18 da sua temporada 19/20.


Não estou lá dentro para conseguir apontar os culpados, mas a verdade é que podemos interpretar muito daquilo que se possa estar a passar com base na performance em campo. Há dois exemplos gritantes, André Almeida e Pizzi (que saiu agora para a Turquia). Sem esquecer aquilo que já fizeram pelo Benfica, sobretudo Pizzi, desde o fim da era Bruno Lage que estes dois jogadores não têm tido performances em campo dignas. Aparecem sempre com pouca intensidade, aparente apatia com a situação da equipa. E isto é extremamente grave, já que falamos em dois líderes da equipa, em dois capitães. Posso estar a ser injusto? Posso, mas verdade é que a realidade que passa cá para fora é essa mesmo. Já perdi as vezes em que olho para o campo e vejo André Almeida a passo, quando tem a importante tarefa de recuperar para a sua posição de lateral direito, e Pizzi com pouca intensidade e cabisbaixo.


Mas esta culpa não morre solteira. A culpa não é só dos jogadores. Se este comportamento efetivamente acontece é porque a estrutura o permite, é porque o clube o permite. Isto só acontece porque não existe liderança forte no Benfica, não existe ninguém que lidere de forma clara o futebol do Benfica. A posição de Rui Pedro Braz não é clara, muito menos a de Luisão. Rui Costa ainda chegou e está já fragilizado e isto não é culpa de quem está fora do Benfica. A direção tem, até ao momento, mostrado poucos sinais de querer mudar esta sina.


Sócios cada vez mais desunidos

Contestação tem subido de tom e não se limita ao futebol (Foto: Global Images)

Luís Filipe Vieira deu muito ao Benfica. Para ser mais correto, as direções lideradas por Vieira, desde 2003, operaram uma verdadeira operação de salvação do Benfica e devolveram ao clube a pujança que este tinha até ao início do "Vietname". Há que reconhecer isto, se o Benfica hoje é o que é também devido ao trabalho de Luís Filipe Vieira.


Contudo, nas últimas eleições Vieira não beneficiava da popularidade de outros tempos e abriu uma divisão nos sócios do Benfica. Criou-se naquela campanha de 2020, em que enfrentou João Noronha Lopes e Rui Gomes da Silva, a noção do eles contra nós, de que se Vieira fosse derrotado tempos tenebrosos atingiriam o Benfica. A campanha foi radical, baixa e desonesta. A televisão do clube nem tocou no assunto e nem sequer houve espaço para debates. O próprio Vieira disse que os debates não serviam para nada.


Vieira lá ganhou as eleições, mas ainda hoje há um fantasma sobre a forma de como as mesmas decorreram. A forma como a comunicação pela continuidade de Vieira foi montada abriu um precedente no Benfica, o de colocar os sócios contra os sócios. Para mim haver grupos de sócios com opiniões distintas é sinal de vitalidade para o clube, mas ao que parece na grande maioria do universo do Benfica não é isso que acontece e tal facto preocupa-me. De um lado estão os sócios que querem a continuidade e acreditam em Rui Costa e na direção que vem, praticamente, toda de LFV. Para eles o grande problema do Benfica está naqueles que querem destabilizar o Benfica, sejam eles sócios, outros clubes e as arbitragens. Do outro lado, estão os sócios que esperam a mudança, até mesmo com Rui Costa à cabeça, mas com pessoas novas ao seu redor, com ideias e estratégias novas, mas que acusam os outros sócios de quererem só eles mandar no Benfica, da direção ter tiques ditatoriais e que eles sim sentem realmente o Benfica.


Ora, eu sei que isto está generalizado e que qualquer benfiquista quer o bem do clube, mas o precedente foi aberto e agora vai ser muito complicado fecha-lo, porque esta direção continua longe de ser consensual, especialmente pelos problemas que toquei acima, e poderia tocar em outros, como os problemas com a justiça a envolver pessoas ligadas ao clube e inclusivamente o ex-presidente Luis Filipe Vieira. Enquanto continuarem nas lições de benfiquismo, o Benfica não vai sair do buraco onde se enfiou e os sócios deixaram que se enfiasse.


Futuro


Rui Costa tem nas mãos o futuro do Benfica (Foto: Global Images)

O Benfica vai acabar? Claro que não. O Benfica vai passar um mau bocado? Não, o Benfica está a passar um mau bocado, a questão é ver até quando é que vai durar esse mau bocado. Rui Costa, apesar de alguma contestação que enfrenta, está legitimado e tem ao seu alcance virar o jogo, ou pelo menos tentar. O Benfica já apresentou, mais do que uma vez na sua história, que facilmente consegue ser a maior potência desportiva a nível nacional, a década 2010-2019 mostrou isso. O Benfica, claro que, conta com a forte concorrência do FC Porto e Sporting, mas tem ao seu alcance fazer muito melhor do que se está a fazer hoje em dia, seja no futebol ou nas modalidades, que ultimamente também enfrentam algum desnorte. Os clubes grandes podem enfrentar crises, mas conseguem sempre regressar à sua pujança porque têm massas atrás de si que impulsionam isso, olhem para o Sporting por exemplo. O Benfica vai virar, mas para isso precisa rapidamente de encontram um caminho por onde quer seguir, e não andar a ziguezaguear como anda há algum tempo.



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